domingo, 25 de dezembro de 2016

um breve mergulho no azul

leve
um leve medo
de perder-se
de afundar
de flutuar
de soltar o corpo [no nada]
de respirar [sem pressa]
de ver o azul [infinito das possibilidades]
de não saber
de não prever
de não ter chão
de não ser firme
de não ser fixo
de ser 
livre

quinta-feira, 4 de agosto de 2016

"Na bruma leve das paixões que vêm de dentro
Tu vens chegando pra brincar no meu quintal
No teu cavalo peito nu cabelo ao vento
E o sol quarando nossas roupas no varal
Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais
A voz de um anjo sussurrou no meu ouvido
E eu não duvido já escuto os teus sinais
Que tu virias numa manhã de domingo
Eu te anuncio nos sinos das catedrais

Tu vens, tu vens
Eu já escuto os teus sinais"

domingo, 31 de julho de 2016

autopoiesis

Certo dia de lua minguante, em abril, escrevi que

"A vida não vem em ondas.
A vida vem em ciclos.
Há quem diga que é a mesma coisa: 'ondas são ciclos'. Não sei. Pra mim as ondas são independentes e únicas. Os ciclos iniciam e terminam no mesmo lugar e se repetem. As dores e alegrias parecem únicas e novas, mas elas já são velhas conhecidas, só aparecem com novas roupas (ou com as velhas - irreconhecíveis de tão velhas).
A solução parece ser deixar passar. Sentir a dor ou a alegria, explorá-las, mas deixar passar. Não se prenda às emoções. Se prenda ao material, ao que existe, ao presente. Se prenda ao que é real."

Ainda estou na dúvida se a vida vem em ondas ou em ciclos.

A despeito da natureza repetitiva da vida, todos os dias nós podemos escolher mudar. E a mudança implica, quase invariavelmente, em falhas que vão te levar para o mesmo ponto de onde você começou.

Parar, respirar, se perdoar, planejar e tentar novamente.

E, afinal, não importa se voltamos para o mesmo ponto quando já não somos os mesmos. É uma autopoiese que te refaz a cada dia um pouquinho diferente. Somos meio cíclicos, mas também somos ondas. O que importa é que estamos sempre em movimento.

sábado, 30 de julho de 2016

abrir os olhos para dentro

A cebola só despertou aquilo que há tanto tanto queria e tinha que sair de mim. Os olhos arderam e eu já não conseguia mantê-los abertos. Fui para um lugar ventilado, tentei manter a calma e ignorar aquela sensação ruim.

Imaginei qual seria a primeira imagem que veria ao abrir os olhos, e na minha mente vi amarelo e quente, o vento que batia no rosto. Talvez fosse a minha casa, a minha infância, a minha segurança. Abri devagar, como se não quisesse enxergar, mas ao mesmo tempo esperando aquele amarelo quente. Era verde e frio, as cores eram menos vivas do que eram na minha mente. Era uma realidade crua e imutável. Ali estava eu, em pé, sozinha, os olhos marejados, olhando para aquela erva sem nome que crescia forte na horta. Não sei porque era triste, mas algo me doía. A minha realidade construída não era o que eu queria. E o que eu queria?

Voltei para a cozinha. O arroz estava queimando, apaguei o fogo. "Será que o frango está pronto?" Espetei um pedaço com o garfo e tentei rasgar a carne que estava rígida como a minha própria. Por um descuido, como por obra de um destino que parecia me odiar, aquele pedaço foi ao chão e, no desespero pela sujeira, pela comida desperdiçada, fui também ao chão para apanhar e jogar aquele pedaço no lixo, apagar aquela imagem tão viva da minha incompetência. "Que burra! Que burra que você é!" Queimei os dedos. "Que burra! Que burra que é você!" Os olhos já não secavam. Ao fundo eu ouvia a Tulipa dizer "um dia você vai descansar sem perceber, vai ser natural e legal adormecer, viver e descansar". Eu só queria descansar. Vi minha própria morte e me deliciei com a ideia de morrer logo, morrer depressa e acabar com a dor de viver, de ser, só. A cebola só despertou aquilo que há tanto queria e tinha que sair de mim.

As lágrimas me impediam de ver, embaçavam a luz e, ao mesmo tempo, me faziam olhar o que eu não queria ver: olhei pra dentro. Eu vi a bagunça dentro de mim. O problema não era a sujeira que fiz no chão, não era o amor não correspondido, não era o cansaço físico, não era o verde frio, não era a saudade, não era o tempo que passava depressa, não era estar sozinha. Dentro de mim tudo parecia amorfo. Não era, mas eu só via isso: amorfo. "Quem é você? O que você quer?" A resposta só vinha de fora. "Eu quero que 'eles' me aceitem, me aprovem, me amem, cuidem de mim, me acompanhem, segurem minha mão." As lágrimas escureciam os olhos, bagunçavam o coração mas iluminavam a mente: "O que você quer está dentro. O que você é já está aí dentro de você, é só abrir os olhos pra dentro e enxergar de verdade. Não basta ver."

Eu sempre digo que a dor aponta para onde devemos olhar. "Sentir a dor é sentir a própria cura" Eu tinha que olhar pra mim, era estar sozinha que me doía. Eu estava sozinha com aquela que desconhecia, aquela mulher que me dava medo. Eu não sabia por onde começar, a dor de enxergar era grande demais, a bagunça de dentro incomodava, eu escutava o barulho do meu coração e a cabeça latejava com a verdade que escorria. Eu não sabia. Eu não sabia. Eu não sei.

Estendi a mão pra ela, pra dentro de mim. A aceitação, a aprovação, o amor, o cuidado e a companhia estavam ali e tudo passou a ter uma forma, ainda indefinida, mas bonita e única. Era a minha forma o que eu procurava, e eu estava ali para me ajudar a enxergar.



domingo, 19 de junho de 2016

Breathe, breathe in the air
Don't be afraid to care
Leave, but don't leave me
Look around, choose your own ground

For long you'll live and high you'll fly
And smiles you'll give and tears you'll cry
And all you touch and all you see
Is all your live will ever be

Run, rabbit run
Dig that hole, forget the sun
And when at last the work is done
Don't sit down, is time to dig another one

For long you'll live and high you'll fly
But only if you ride the tide
And balanced on the biggest wave
You race towards an early grave

segunda-feira, 6 de junho de 2016

Evanescente

Aquilo foi fuga dos planos. Desvio do caminho, mudança de ideia, a estratégia que falhou.

Mas foi uma fuga deliciosa. Estar ali era doloroso e excitante e, apesar do medo, era só lá que eu queria estar. Na instabilidade daquele lugar eu me sentia viva, e que nesta vida eu podia ser eu mesma.

Foi por isso que eu cravei dentes e unhas na carne. Eu sabia que não poderia evitar que aquilo se esvaísse no tempo, mas não podia deixar de tentar. Eu usei os braços e as pernas para segurar aquele instante.

Aquilo foi como a tarde amarela que surge sem explicação, em um dia de inverno. E o sol, enfim, se pôs.







sábado, 28 de maio de 2016

bruto querer

E se eu o quero todos os dias é porque ele me obriga, com esse jeito deliciosamente bobo, a querê-lo. Com unhas, dentes e o corpo todo.
"Ah, bruta flor, bruta flor..."

sábado, 7 de maio de 2016

Amar ou o prelúdio do adeus

Das coisas tristes que aprendi na vida, uma das mais dolorosas é "não crie expectativas", "não alimente esperanças". É como se tudo fosse tão efêmero e mutável que se tornasse arriscado demais para ser usado como colete salva-vidas. Talvez a busca por salvação é que seja o erro, e não o tudo efêmero e mutável em si. Como uma craca que não encontra substrato sólido o suficiente para se fixar e morre em busca da perfeição. Solitária, fria e infértil.
É uma sensação dura que atravessa as diversas partes da vida e as suas diversas fases. Vem da criança que queria atenção, passando pela adolescente que queria ser reconhecida, à adulta que quer carinho. A adulta que quer amar, que quer calor, que quer presença. A mulher que quer compartilhar.
Mas nada é suficientemente sólido. Você não pode confiar: aquele amor vai embora. O amor é o prelúdio do adeus.

Quando eu olho pra trás eu vejo minha coleção de despedidas. A maioria delas não é daquelas despedidas típicas, com abraços e lágrimas, mas despedidas. Da infância vejo vultos da família que eu quis ter por perto mas que ficou longe, e cada vez mais longe. Ao longo da vida vejo amigos que vieram e se foram, alguns sem deixar quaisquer vestígios, outros presos eternamente em sonhos distantes. Pelo caminho se amontoam os amores e suas inúmeras feridas - abertas ou cicatrizadas - como fracassos doídos.

E dá medo de se dar, de abrir o peito para a nova queda.

El miedo es una sombra que el temor no esquiva
El miedo es una trampa que atrapó al amor
El miedo es la palanca que apagó la vida
El miedo es una grieta que agrandó el dolor

É nesse momento que surge a vontade de fugir para um país distante, onde seu nome ou seu rosto não signifiquem nada para ninguém. Ser nômade de corpo e alma te permite ignorar o porquê de você estar só.

[em sonho, uma mão segura com força o seu braço e te diz pra ficar, para acreditar mais uma vez]

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Say, say, say

E ressurge a vontade de dizer.