Certo dia eu fui alguém. Naquele momento eu me dera conta de que eu sempre tinha sido um alguém. Quem? Alguém. Qualquer pessoa que quisessem que eu fosse, o que fosse cômodo para outro alguém. O que importava era não desagradar, era ser boa para "o outro". Não importava quem, por baixo de tudo aquilo, eu era realmente. O que importava é que aquele alguém estava feliz por eu vestir aquela fantasia.
Mas naquele momento, quando eu me dei conta de que ser alguém era o meu normal, eu não era ninguém. Aquele outro que me dava nome havia partido e, como eu achava que era vazia, me tornei ninguém. Eu não sei explicar a dor de me desencontrar em mim mesma. É uma dor aguda, assustadoramente difusa. Dói tudo mas não se sabe o quê. Mas dói.
Então, quem eu era? Ser alguém dependia de estar com outrem? Quem ocupava aquele corpo, aquela cabeça cheia de pensamentos que me fazia estar viva?
O processo de me encontrar foi longo. Naquela estrada árida até o interior de mim, por diversas vezes eu desencontrei daquele caminho que eu mesma criava. Eu desisti e tentei voltar, mas não havia caminho de volta. Por mais que eu parasse e olhasse para a escuridão de ser ninguém, meus olhos sempre iluminavam fragmentos de mim. E, aos trancos e barrancos fui montando aquele quebra-cabeças de mim. E então eu descobri que eu era o meu lar.
---
Longe de mim, em qualquer lugar do planeta (quiçá na mesma Beagá que eu) um outro ninguém recebia o nome que alguém lhe dava. Aquele - então alguém - sorria por ter quem lhe desse um nome, uma fantasia bonita que só quem é pode ter. Não importava a farsa e tampouco o desconforto que às vezes sentia. O que importava era a felicidade momentânea que aquela fantasia lhe causava e, sobretudo, ao "seu outro". Mas a verdade é que por baixo da fantasia ele não via nada, embora soubesse que uma essência qualquer o fazia vivo.
Assim como eu, aquele alguém passou à condição de ninguém de um dia para o outro, quando partiu quem lhe dava forma. "Quem sou eu?" - questionava ao vazio. E nenhuma resposta lhe era dada.
Percorreu um caminho diferente. Antes de perceber que estava perdido, tentou encontrar o que era quando era alguém e desabou ao perceber que aquele alguém já não existia.
---
Certo dia eu encontrei ninguém. Com dificuldade ele havia iluminado as primeira peças de si e eu já conseguia vê-lo. De fato, seus contornos não eram tão claros mas, por trás da nuvem de medo, ele era extremamente bonito. Eu sabia que, assim como o meu, seu caminho não era curto ou fácil. Mas um sentimento me impelia a ajudá-lo a percorrer seu caminho. Eu tive empatia imediata e prontamente o amei.